Ensino

Entidades se mobilizam contra proliferação do EAD: “alunos são as maiores vítimas”

Reportagem do portal Sul21 traz depoimentos de presidente e conselheiro do CAU/RS sobre os riscos da graduação a distância em Arquitetura e Urbanismo.
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A recente campanha do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RS) alertando sobre os riscos da graduação a distância em Arquitetura e Urbanismo vem ganhando repercussão na mídia. O portal Sul21 conversou com o presidente do Conselho, Tiago Holzmann da Silva, e o conselheiro Coordenador da Comissão de Ensino e Formação do CAU/RS, Rodrigo Spinelli sobre o Projeto de Lei 1171/2019, que tramita na Câmara, os riscos da “mecanização” do ensino e o entendimento do EAD como ferramenta de auxílio. Leia abaixo o texto na íntegra.

Conselhos de classe e entidades representativas das áreas de Arquitetura e Urbanismo, Ciências da Saúde e Engenharia vêm se mobilizando desde antes da pandemia pela aprovação de um projeto de lei que busca proibir a implementação de cursos na modalidade de Ensino à Distância (EAD) em suas áreas. Atualmente, as entidades avaliam que o EAD vem sendo implementada de forma inadequada nestas áreas, graças a um limbo jurídico que permite tal modalidade.

De autoria do deputado Dr. Jaziel (PL-CE), o PL 1171/2019 originalmente mudava a redação do artigo 80 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para vedar o desenvolvimento de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada, na área das Ciências da Saúde. Posteriormente, ele passou a incluir também a proibição do EAD nos curso de Arquitetura e Urbanismo e nas Engenharias.

O projeto já teve parecer favorável aprovado nas comissões de Seguridade Social e Família (CSSF), em novembro de 2021, e de Educação (CE), em maio deste ano, da Câmara dos Deputados. Atualmente, aguarda apreciação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). Caso seja aprovado por esta comissão, seguirá para votação em plenário.

No Rio Grande do Sul, a mobilização pela aprovação do projeto vem sendo liderada pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RS). Presidente do conselho, Tiago Holzmann avalia que a entidade considera que o EAD não pode ser considerada como uma modalidade de ensino, mas sim como uma ferramenta.

“Nós não somos contra o EAD, nem contra as novas tecnologias ou nada disso. O que a gente é contrário é tratar o EAD como uma substituição de todo o ensino que nós construímos ao longo das últimas décadas. Não é uma modalidade, é uma ferramenta, que deve ser incorporada às outras todas que o ensino presencial já oferece”, diz, acrescentando que os estudantes acabam por ser as “maiores vítimas” do EAD.

A mobilização da entidade em torno do projeto de lei em tramitação na Câmara vem desde antes da pandemia, quando o ensino a distância passou a ser implementado de maneira mais generalizada em cursos presenciais, facilitado por uma portaria editada pelo governo Michel Temer, de dezembro de 2018, que liberou para até 40% a carga horária a distância para cursos de graduação presenciais. Contudo, o aumento do uso do EAD precede esse período.

Em fevereiro deste ano, o Ministério da Educação (MEC) divulgou os resultados do Censo da Educação Superior 2020, que apontou que, pela primeira vez na história, o número de alunos em EAD superou o de cursos presenciais entre aqueles que ingressavam em instituições de ensino superior. Entre os cerca de 3,7 milhões de novos alunos de graduação do País em 2020, mais de 2 milhões (53,4% do total) ingressaram para o ensino a distância, enquanto 1,7 milhão (46,6%) optaram por cursos presenciais. Já nos cursos tecnológicos, o percentual de ingressantes em EAD era de quase 70%.

O levantamento apontou ainda que, entre 2010 e 2020, o número de novas matrículas em EAD aumentou em 428,2%, enquanto as novas matrículas em graduações presenciais caíram 13,9% no período. Em 2020, primeiro ano da pandemia de covid-19, apesar de o número de novas matrículas em geral ter aumentado apenas em 0,9%, ele foi puxado para cima pelo pelo crescimento dos ingressos em EAD, que tiveram alta de 26,8% em relação a 2019.

Coordenador da Comissão de Ensino e Formação do CAU/RS, Rodrigo Spinelli frisa que o entendimento da entidade é de que o EAD poderia ser uma ferramenta para auxiliar o ensino, não uma modalidade estimulada para fins meramente comerciais. Ele avalia que, especialmente na área de Arquitetura, o principal problema do ensino a distância é a tentativa de mecanizar o ensino e torná-lo replicável para todos os alunos, independente da circunstância.

“Não dá para simplificar o ensino de Arquitetura e Urbanismo como algo automático, mecanizado, que alguém vá aprender em sua casa de forma solitária olhando para uma tela de computador. A formação do profissional depende da presencialidade, do ensino das disciplinas de projeto, do ensino das disciplinas técnicas, de visitas a canteiros de obras, de conhecer o ofício, da experiência dos estágios orientados, e isso necessita ser em canteiro de obra, da questão relacionada à extensão universitária. Então, são pontos que dependem muito da presencialidade”, afirma.

Ele destaca que o CAU/RS vem apurando uma série de denúncias feitas por estudantes a respeito da qualidade de ensino dos cursos que empregam o uso do EAD total ou parcialmente na área de Arquitetura e Urbanismo. “Temos muitos cursos que estão tentando fazer EAD com um percentual de carga horária não presencial muito grande, apenas com monitores, tutores, como eles chamam, em algumas cidades, e isso é complexo. Muitos desses tutores acabam sendo profissionais recém formados e não capacitados adequadamente para repassar o conhecimento 100% para esses alunos”, diz Spinelli.

Além disso, Holzmann avalia que o ensino na área deveria ser construído em conjunto com os profissionais de Arquitetura e Urbanismo. “O Ministério da Educação não entende nada de Arquitetura e Urbanismo, então ele não pode regrar o ensino sem conversar com a gente e ele vem fazendo isso de forma unilateral, com a nossa profissão e com todas as outras, e isso nós não aceitamos”, afirma.

Corregedor do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), Carlos Isaia Filho diz que a entidade também vê com “extrema preocupação” a questão do EAD nas áreas das Ciências da Saúde e, por isso, posiciona-se favoravelmente à aprovação do projeto de lei.

“E não é só a questão da preocupação, a gente não consegue ver como se poderia efetivar um curso de graduação que estivesse priorizando ou que tivesse contemplando de uma forma muito grande a questão do EAD”, diz. “A questão do EAD dentro da área da saúde, e especialmente na Medicina, torna-se extremamente difícil, porque nós temos que zelar que um profissional médico, além de ter um bom conhecimento teórico, que ele também saiba como agir, como tratar, como operar, ter sempre aquela integração teórico-prática para que se possa fazer um correto diagnóstico para que se possa instituir um tratamento adequado”, complementa.

Presidente do Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul (Senge), Cezar Henrique Ferreira pontua que, antes mesmo da pandemia, a Confederação dos Engenheiros Agrônomos do Brasil (Confeab) realizou um estudo que concluiu que já existiam mais alunos da área da Engenharia da Agronomia em cursos totalmente em EAD do que em cursos presenciais. Isso ocorre porque, apesar de em menor número, os cursos em EAD permitem um número maior de alunos por turma.

“A gente vê que essa é uma tendência que não tem volta, apesar das resistências em várias áreas; vários colegas, vários engenheiros, que têm muitas resistências. Com o advento da pandemia e da virtualização das relações, o avanço rápido da tecnologia, acho que dá para concluir que o EAD é um caminho sem volta”, pondera, acrescentando ainda que existem bons cursos em EAD e cursos presenciais de baixa qualidade.

Contudo, Ferreira avalia que ainda é preciso preservar aspectos da interação humana para garantir maior qualidade de aprendizado, ao menos até que a tecnologia evolua ao ponto de permitir uma melhor replicação das relações presenciais em ambientes virtuais.

“Pode ser que no futuro, com toda essa evolução, com metaverso e tal, que as realidades virtuais substituam completamente a realidade presencial, mas não é o que acontece atualmente. Hoje não há condições, por exemplo, da gente analisar estrutura de solo, que é fundamental para diversas áreas da Agronomia, Engenharia Civil e tantas outras, de forma virtual. Então, a nossa posição é que, dependendo do curso, nós temos que aumentar o número de horas de atividades presenciais em laboratório, em campo, porque hoje não tem como a gente fazer um curso totalmente em EAD”, diz.

Fonte: Sul21

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