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Dizem que toda crise traz oportunidades. No caso dos ataques à democracia e às sedes dos três poderes, nossa oportunidade é sensibilizar a sociedade sobre a importância da Arquitetura e do Urbanismo para um projeto de país. Mais do que a depredação material, os ataques de 8 de janeiro tinham como objetivos destruir símbolos da nossa democracia, da nossa cultura e da nossa excelência técnica, representados pelos prédios de Oscar Niemeyer.
Infelizmente, esses símbolos foram mais uma vez atacados em um artigo de opinião publicado no Estadão, pelo economista Roberto Macedo (“Os vulneráveis edifícios envidraçados de Brasília, 19/01/2023“). Confessando seu desconhecimento total sobre o tema, e embasado em uma única citação pinçada de um livro sobre educação, ele promove uma confusão de conceitos sobre a função da Arquitetura e propõe soluções medievais para as reformas que estão sendo feitas na Praça dos Três Poderes.
Ignora, por exemplo, que Brasília é Patrimônio Mundial da Humanidade, tombado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) – justamente com o intuito de preservar suas características originais para apreciação das gerações futuras. É um reconhecimento oficial do valor daquela obra para a compreensão da história e da identidade de uma nação e, como no caso de Brasília, de toda a humanidade.
O autor do artigo sugere, entre outras barbaridades, substituir as fachadas de vidro “por paredes de alvenaria e as portas por outras de ferro ou madeira grossa para dificultar o ingresso de indesejáveis”. Surpreende que não tenha aconselhado também a escavação de um fosso com jacarés em volta do Palácio do Planalto. Na sua concepção, os monumentos da nossa República servem apenas para hospedar “poderosos privilegiados”: políticos, juízes e “seus” funcionários.
Na verdade, essas edificações de concreto e aço – nascidas da mente de um gênio – simbolizam e celebram a democracia, a criatividade brasileira e a autodeterminação dos povos. São casas (e funcionários) de todos os cidadãos, não de poderosos de ocasião. Presidentes, parlamentares, juízes vêm e vão. O que fica é a soberania popular, também representada pelas leis e pelo voto.
Quando Lucio Costa fez o projeto do Plano Piloto, sua preocupação não era afastar a população da Esplanada dos Ministérios. Pelo contrário, o espaço é definido como um “extenso gramado destinado a pedestres, a paradas e a desfiles”. A própria construção de Brasília, ao contrário da crença popular, “trata-se de um ato deliberado de posse, de um gesto de sentido ainda desbravador”.
Nós, arquitetos e urbanistas, estamos buscando cada vez mais espaços para mostrar à população como a nossa profissão pode contribuir com a qualidade de vida das nossas cidades, muitas vezes separadas pelos muros invisíveis da desigualdade social. A devastadora banalidade do texto do senhor Roberto Macedo, infelizmente, remete à desconsideração com a Arquitetura e o Urbanismo no Brasil, onde 82% das obras são feitas sem o auxílio técnico de arquitetos e engenheiros.
Não podemos jamais desconsiderar a dimensão civilizatória da Arquitetura e do Urbanismo. Da mesma forma que Brasília e suas obras de arte simbolizam a nossa democracia, cada edificação de cada cidade brasileira representa pedaços de nossa cultura, nossos valores, nossas ambições enquanto sociedade. De nossa parte, nós arquitetos e urbanistas queremos participar de um projeto de país que valorize a inclusão, a cultura, a sustentabilidade, o conforto e – principalmente – a dignidade.
Na década de 1960, quando Brasília foi construída, nosso projeto para o Brasil focava na modernidade e no desenvolvimento. Era a “Capital da Esperança”. São esses valores que foram vilipendiados em sua forma arquitetônica e continuam sob ataque. O que poderá garantir a segurança dos prédios, Patrimônio Mundial da Humanidade, é o fortalecimento da democracia e a construção de um projeto nacional. Neste século XXI, precisamos construir um novo projeto de país. Com uma Arquitetura e Urbanismo que nos represente e nos inspire a voos cada vez mais altos.
Qual projeto vamos construir após a depredação?
Nadia Somekh, presidente do Conselho de Arquitetura do Brasil e professora emérita da Universidade Mackenzie.
Subscrevem esta manifestação as entidades nacionais de arquitetos e urbanistas (IAB, FNA, AsBEA, ABEA, ABAP e FeNEA)
Arquitetos (as) e urbanistas interessados(as) também podem se manifestar sobre o assunto por meio de cartas para o Estadão pelo e-mail: forum@estadao.com. O tamanho ideal aceito pelo jornal são mil caracteres com espaços, sem garantia de publicação.