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Prolongamento da pandemia e o impacto de moradias inadequadas na saúde mental

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Qual o papel de arquitetos e urbanistas ao projetar o lar de uma família? Qual o impacto da pandemia no bem-estar e saúde mental de tantos brasileiros, sobretudo nos que habitam as 25 milhões de residências que não apresentam condições mínimas de habitabilidade e saúde? Em reportagem elaborada pela Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RS), Tiago Holzmann da Silva, e a conselheira Ana Paula Schirmer dos Santos sugerem algumas respostas. Confira abaixo o texto na íntegra.

Depois de mais de dois anos de pandemia, a reclusão já traz impacto claro na saúde mental das famílias brasileiras. É o que mostra um estudo da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) publicado em janeiro deste ano na revista norte-americana The Lancet. Os dados analisados ​​mostram que quatro em cada dez brasileiros tiveram problemas de ansiedade durante a crise de Covid-19. O índice está acima do registrado nos Estados Unidos e Canadá e semelhante ao do Peru e México, que também apresentam altos índices de depressão.

Fator direto de inclusão e convivência, a casa é vista como aspecto determinante para o desencadeamento, ou não, de quadros de depressão, ansiedade e demais transtornos de comportamento. Nesse cenário, o arquiteto e urbanista ganha espaço como agente de saúde pública e bem estar social. “As edificações podem ser responsáveis por causar enfermidades e doenças em seus usuários, como a própria OMS reconhece este fenômeno como a Síndrome do Edifício Enfermo. Os riscos podem ser classificados em físicos, químicos e biológicos e estão associados a ambientes não apenas com deficiência em iluminação e ventilação natural, mas também materiais construtivos e mobiliários com alguma toxicidade”, diz o vice-presidente da FNA, Ormy Hütner Jr.

Em uma sociedade onde 3% das casas não têm sequer banheiro, falar de conforto emocional pode parecer banal, mas não é. De acordo com a arquiteta e urbanista pós-graduada em Neuroarquitetura e conselheira do CAU/RS, Ana Paula Schirmer, é na simplicidade que estão soluções de conforto para as famílias. “A habitação é muito importante para a saúde mental por ter a função de refúgio por ser o lugar onde as pessoas, os habitantes, podem se sentir acolhidos e protegidos”, explica.

Infelizmente, no Brasil a saúde habitacional não é prioridade nas políticas públicas. Uma pesquisa realizada pela Fundação João Pinheiro de Belo Horizonte (MG), mostrou que 25 milhões das casas brasileiras precisam ser reformadas e adequadas a uma condição mínima de habitabilidade e saúde. Ou seja, é necessária a expansão de algum serviço público, como distribuição de água, rede de esgoto, energia elétrica, pavimentação e até mesmo a presença de banheiro.

A falta de estrutura da moradia também pode ser um fator gerador de estresse. “Falta de privacidade, falta sensação de controle do espaço, excesso de barulho, impossibilidade de customização, insegurança e às vezes até problemas de convivência com vizinhos geram aumento de estresse”, afirma Ana Paula. A habitação é um importante fator na promoção do bem estar e saúde mental já que a falta de moradia segura pode agravar problemas socioemocionais e perpetuar um ciclo vicioso de exclusão, de acordo com o documento de orientação sobre serviços de saúde mental da Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo o texto, a qualidade da habitação contribui para a possibilidade de controle, escolha e independência do indivíduo. A OMS defende que o acesso à habitação adequada é não apenas um direito humano, mas também uma questão de saúde pública.

Segundo Ana Paula Schirmer, uma casa saudável tem luz natural, ventilação e permite personalização para adaptação às necessidades específicas dos moradores. E isso não quer dizer luxo. Quando os moradores podem personalizar o espaço onde vivem, eles se identificam com aquele lugar. As referências pessoais trazem personalidade, hábitos e memórias de família, além de dar sensação de conforto e tornar a casa um lar acolhedor.

As dificuldades da casa durante a pandemia, também refletiram no mundo do trabalho. Profissionais viram as relações de trabalho alteradas, e suas casas tiveram que ser transformadas, de uma hora para outra, em escritórios. Sem, é claro, nenhum aporte adicional para isso e muitos viram a responsabilidade sobre a posse dos meios de produção depositada em suas contas. “As pessoas passaram a usar seus computadores pessoais para trabalhar, sua internet e pagar a conta de luz e água que antes era arcada pelo empregador”, ponderou Ormy Hütner Jr. Com o isolamento social, outro agravante de riscos psicossociais foi o estresse ligado ao excesso de trabalho, uma vez que limites entre horário de trabalho e lazer saíram do controle. “O trabalhador precisa entender e negociar as relações do home office. Sabemos que ninguém previu essa situação, mas alongar o período em condições precarizadas é inadmissível”, frisa o vice-presidente da FNA.

Arquiteto é o agente de bem-estar na periferia

Arquitetos e urbanistas têm condições de atender à necessidade de ofertar moradias saudáveis através de estratégias de projeto voltadas para o bem-estar físico e mental dos moradores. “Nós [arquitetos] precisamos projetar lares e não casas”, defende Ana. Para ela, os profissionais precisam ir além do senso prático e de utilidade da habitação e buscar ter um olhar empático. Entender as necessidades dos moradores, como vivem, seus hábitos e permitir a personalização do espaço.

Um trabalho que vem na linha de garantir o básico para proporcionar maior bem-estar nasceu exatamente durante a pandemia. Organizado pelo CAU/RS em parceria com o Governo do Estado, o projeto Nenhuma Casa sem Banheiro nasceu exatamente da busca por uma casa mais humana e saudável. “Se a casa sem qualidade adoece a família, quem pode curar a casa doente é o arquiteto”, explica Tiago Holzmann, presidente do CAU/RS. Para ele, colocar esses profissionais dentro das equipes de saúde é evitar que pessoas fiquem doentes e, assim, economizar recursos públicos futuros.

De acordo com Holzmann, os arquitetos e urbanistas não resolvem esse problema sozinhos, mas têm um papel fundamental na promoção da saúde habitacional. No entanto, somente agora que eles estão abrindo os olhos para essas questões e cobrando o setor público. “Falta romper a inércia, vencer preconceitos inclusive da própria categoria e dialogar muito com os demais agentes”, diz. Para ele, arquitetos e urbanistas são apenas uma ponte de conexão do setor público com as famílias, mas a articulação institucional e financeira é bem mais complexa.

Aliada dos profissionais de arquitetura e urbanismo nessa luta, a Lei de Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social (ATHIS) é o amparo legal para um projeto de residências capazes de alentar os males das famílias brasileiras. Contudo, o  uso da lei segue estagnado por falta de políticas públicas. “Construir novas unidades e deslocar as famílias é um erro recorrente de nossas políticas de habitação”, expõe o presidente do CAU/RS. Ele explica que é necessário tratar da saúde das casas onde as pessoas estão, com as ressalvas de segurança e risco, mas não construir novas e sim reformar as que já existem. “Isso é saúde e não indústria da construção”, afirma Holzmann.

Autor: Danielly Oliveira
Fonte: FNA

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