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Passado, presente, futuro. Memória, preservação, restauro. A Ponte de Pedra de Porto Alegre, também chamada de “Ponte dos Açores”, está em fase final de restauração. Mesmo com a conclusão da obra se aproximando, uma polêmica sobre intervenções supostamente equivocadas por parte da Prefeitura e dos responsáveis técnicos pela sua execução foi levantada nas redes sociais.
Para compreender o presente, contudo, é preciso olhar para o passado. No caso da Arquitetura não é diferente. No início do século XIX, não havia uma ponte que ligasse o “Caminho das Belas” – atual Av. Praia de Belas – ao centro da cidade. Porto Alegre, na época, era toda entrecortada por pequenos riachos que desaguavam no Guaíba e faziam com que a construção de pontes fosse extremamente necessária para a circulação de pessoas e cargas.
Tendo em vista a relevância deste assunto o Presidente em Exercício do CAU/RS, arquiteto e urbanista Joaquim Haas convidou alguns dos principais especialistas em patrimônio, para falar sobre o restauro da Ponte de Pedra de Porto Alegre.
História
No final da Guerra dos Farrapos, Duque de Caxias solicitou a construção de uma ponte mais resistente, de pedras e tijolos, para substituir uma de madeira que havia no local. Então, em 1848, foi aberta ao público a Ponte de Pedra sobre o Riachinho – atual Arroio Dilúvio – cuja reformulação ocorreu um século depois em função de sua canalização junto a criação da Av. Ipiranga. Assim, a Ponte deixou de cumprir sua função de ligação do Centro Histórico com a Região Sul da cidade, pois ela passou a ser feita entre a Av. Borges de Medeiros diretamente com a Av. Praia de Belas. Por longo período, a Ponte de Pedra passou a ser mais um marco da história de Porto Alegre, uma espécie de evocação do passado, consequência da urbanização, com seus arroios canalizados.
Roberto Py, presidente licenciado do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul, era arquiteto e urbanista da Prefeitura de Porto Alegre na década de 70. Ele foi o profissional responsável pelo projeto do Viaduto dos Açorianos, inaugurado em 1973 durante o governo de Telmo Thompson Flores, via que integra as obras de arte da 1ª Perimetral. Segundo Py, o projeto original da 1ª Perimetral previa a demolição da Ponte para permitir a construção de oito alças viárias de acesso ao Viaduto dos Açorianos. Ele agregou a Ponte de Pedra ao projeto urbanístico do novo viaduto, integrando-o ao projeto de paisagismo da arquiteta e urbanista Enilda Ribeiro, que concebeu uma praça onde um espelho d’água liga a Ponte de Pedra com o Viaduto dos Açorianos, numa evocação ao antigo Arroio Dilúvio. Desse modo, o Viaduto – sinônimo de desenvolvimento na época – também serviu para a preservação da história da cidade. Posteriormente, a “Ponte dos Açores” foi tombada pelo município em 1979.
No último mês, em função das obras de restauro da Ponte de Pedra, uma polêmica surgiu nas redes sociais. A retirada das pedras, que permitiram a eliminação de infiltrações e a posterior impermeabilização, foi comentada por um internauta no Facebook como se asfalto fosse ser colocado no local, talvez porque as imagens aéreas utilizadas possam dar essa impressão para a população. A Prefeitura da cidade, a partir do pronunciamento de Luiz Antônio Bolcato Custódio, coordenador da Coordenação da Memória Cultural (CMC), órgão da Secretaria da Cultura de Porto Alegre, tem se manifestado publicamente sobre o ocorrido e explicado sobre como se dão os processos de restauração em todo o mundo – padrão internacional adotado pelo arquiteto e urbanista responsável pela execução da obra, Edegar Bittencourt da Luz.
Falsas polêmicas
Para Custódio, a desinformação da população gera falsas polêmicas: “Toda obra da Prefeitura recebe um painel que explica o que é e como vai ficar o espaço após a intervenção. Neste caso, o painel continha informações da obra na Ponte de Pedra e também do projeto luminotécnico, que está belíssimo”. Custódio comentou que a pichação no tapume muitas vezes impede a visualização do painel nesta e em outras obras públicas.
Py compartilha da opinião do coordenador da CMC. “Tudo está sendo feito segundo padrões de restauração reconhecimentos internacionalmente. O que há é uma falsa polêmica”, disse. A obra de restauro está em sua fase final e em breve as pedras – que foram todas numeradas – devem ser recolocadas.
O conselheiro do CAU/RS Rômulo Plentz Giralt é professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e ministra a disciplina de Técnicas Retrospectivas. Ele também se manifestou sobre o assunto: “O projeto está sendo feito corretamente e de forma criteriosa, consultando-se todos os órgãos de patrimônio competentes. A empresa que está realizando a obra é idônea e talvez uma das melhores na área de restauração”.
Restauração – tempo, matéria e imagem
Segundo Custódio, quando falamos de restauração estamos tratando de três itens: tempo, matéria e imagem. “Não restauramos o tempo, pois o tempo não para. Na Ponte, teremos elementos históricos do século XIX com tecnologias de materiais do século XXI. É a matéria que sofre interferências – impermeabilização, reboco, pintura – e ela é suporte para a imagem, que é o que se busca recuperar”, explicou.
“A única alteração que será feita no monumento é o rebaixamento do nível da água, que se encontrava muito alto, prejudicando a estrutura de tijolos das três abóbadas”, destacou Custódio. André Huyer, vice-presidente do Sindicato dos Arquitetos no Estado do Rio Grande do Sul (SAERGS), manifestou-se comentando que se passaram muitos anos até se descobrir que, de fato, o lago da Ponte dos Açores estava muito elevado e que haviam estruturas de pedra revestindo os pilares no antigo nível do Riachinho.
“Constataram que a água do lago estava desagregando a argamassa de preenchimento dos tijolos localizados acima do nível previsto originalmente. Após isso é que foi elaborado o projeto de restauração. E, então, a licitação. E, agora, a obra”, comentou Huyer. Rafael Passos, vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB RS), destacou que se busca recuperar a imagem original da Ponte com o rebaixamento do nível da água e com a consequente visualização da base de pedras do lago.
Desde sua inauguração em 1848, a Ponte passou por várias intervenções com o objetivo de prezar pela sua manutenção. Agora, além de solucionar o problema da umidade com o nivelamento do lago, a infiltração que corria de cima para baixo e comprometia as estruturas será descartada com a impermeabilização.
“Criticam sem buscar informação. Criticam os colegas arquitetos e urbanistas que estão envolvidos na restauração, o que pode até ser enquadrado como falta ética no CAU/RS. Nunca vi tanto fogo amigo no patrimônio cultural. Se o político não faz nada, é criticado. Se faz, também é criticado. Será que fará novamente sob esse risco?”, questiona Huyer.
Passos ainda cita dois fatores importantes que devem ser observados: a formação do profissional e a falta de informação. “Há uma carência de formação e aperfeiçoamento na área da restauração, pois se aprende muito na prática. Por outro lado, a população também exige mais transparência. Os laudos técnicos da Prefeitura poderiam estar à disposição de todos, pois ainda que um leigo não compreenda os documentos, a informação estaria ali”, destaca.
Com a palavra, Edegar Bittencourt da Luz
O arquiteto e urbanista Edegar Bittencourt da Luz atua há 45 anos na área de restauração. Entre os trabalhos realizados apenas em Porto Alegre estão: Palácio Piratini, Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul, Paço Municipal de Porto Alegre, Solar dos Câmara, Cinema Guarany e Farmácia Carvalho. Para Edegar, os arquitetos e urbanistas devem encarar com sabedoria as necessidades de preservação dos bens culturais: “O processo é pensado caso a caso para que as intervenções sejam eficientes, dando ao bem maior durabilidade e, ao mesmo tempo, mantendo suas características arquitetônicas”, reforça.
Após o processo de restauro, Edegar afirma que há uma imensa satisfação profissional: “Lidamos com bens culturais que também são de interesse social. É uma atividade de extrema importância para o arquiteto, ainda mais por se tratar de um campo muito vasto que, muitas vezes, não recebe o devido valor”.
Sobre a polêmica acerca da Ponte de Pedra, o técnico responsável pela obra coloca que é curioso acompanhar a reflexão que as pessoas promovem, ainda mais através de uma informação equivocada. “Se a população tivesse procurado as informações corretas, não estaria dizendo palavras que não se justificam”, comenta Edegar.
Segundo o profissional, todos os procedimentos técnicos são exaustivamente estudados para a cura de lesões: “Este é um projeto importante e foi muito estudado na Secretaria da Cultura e na Secretaria Municipal do Meio Ambiente. Foram realizados todos os projetos com método arquitetônico, levantamento com laser, fotogrametria digital, entre outros. Tudo cuidadosamente pensado antes de se iniciar o trabalho de tratamento”.
Quase dois séculos se passaram desde a construção da Ponte de Pedra. Neste processo de restauração, talvez o único equívoco da Prefeitura tenha sido acreditar que apenas o painel informativo comunicaria a execução da obra para os cidadãos. Vivemos um novo tempo, altamente imerso por tecnologias da informação que podem (e devem) ser melhor utilizadas pelos órgãos públicos. À população cabe cobrar pelo bem que lhe pertence, mas também procurar os caminhos mais adequados e corretos para pautar sua opinião. Suposições geram polêmicas. Informação gera conhecimento.
É preciso devolver a Ponte para a cidade e para as pessoas. Ponte de Pedra – a história de Porto Alegre preservada.
24 respostas
Cada um de nós é responsável pela cidade que aí está, e sempre podemos fazer algo a mais para que ela se torne a que sonhamos. Gostei dos esclarecimentos, muito bom.
Como seria Porto Alegre se não tivéssemos preservado e mantido parte da nossa historia? A ponte de pedra é a comprovação da importância da preservação
Muito boa a informação, parabéns!
Demorou, tanto a restauração como o esclarecimento do CAU. Mas, enfim veio. Parabéns para os profissionais envolvidos.
Obrigada, Pedro. Toda contribuição é bem-vinda!
Com certeza quem recebe formação e está preparado para projetos e execuções de RESTAURAÇÕES são os Arquitetos e Urbanistas, seus depoimentos representando suas entidades são ELOGIÁVEIS…
Sugiro ações “de todas nossas entidades” até de marketing, para que contaminem positivamente a opinião pública sobre ARQUITETURA e PATRIMONIO HISTÓRICO…
O patrimonio historico de POA deve ter a atencao que essa ponte vem tendo
Muito bom, parabéns pela noticia
O arquiteto e urbanista Edegar Bittencourt da Luz é um dos mais importantes e qualificados profissionais na área com profundo conhecimento técnico e metodológico. Edegar Bittencourt da Luz deveria ser homenageado pelos seus trabalhos de ato continuo em nome da preservação e restauração dos bens culturais. Suas obras e projetos são verdadeiras aulas de restauração.
Conheço três dos profissionais envolvidos: Edgar, Custódio e o André. Gostaria que houvesse muito mais respeito a suas trajetórias profissionais, em prol do patrimônio histórico. Não são bons, são referência. Parabéns por mais este empenho no resgate deste monumento.
Parabens!!
parabéns turma querida do CAU e concordo com o Edgar, os tempos são outros, não devemos subestimar a população com um mínimo de informação. Como arquiteta fico orgulhosa da qualidade e segurança de nossos colegas envolvidos neste projeto.
O fato das pessoas estarem objetando na minha opinião já é um ponto positivo. Que bom que nos dias de hoje parte da população se interessa sobre questões de preservação de patrimônio. Claro, nem todos são doutores no assunto. Concordo que se os competentes dessem mais explicações a respeito, não haveriam julgamentos errados. Mais informação, quem sabe mais interesse? Fica a dica.
A falta de informação gera polêmicas, muitas vezes acompanhada da “preguiça” de buscar a veracidade do que está sendo publicado, o que é muito comum hoje nas redes sociais. Parabéns ao CAU e aos profissionais envolvidos no projeto.
Muito obrigada pelo comentário, Murilo! Estamos à disposição!
Muito obrigado por preservar a historia pois eu vivi na cidade baixa na época que chatas de lenha navegavam por baixo dessa ponte e mais muitos bailes no clube dos ferroviários que ficava do outro lado da ponte.
Li com GRANDE interesse toda matéria, Fico MUITO satisfeito que se tenham colocados os pontos “is”, pois, sou um dos que procuram no Face Book SEMPRE melhor esclarecer e comentar com responsabilidade as postagens que ali são expostas.
Parabéns ao CAURS por nos informar.
vou compartilhar via Facebook as informações.
Obrigada, Jorge! Qualquer dúvida ou sugestão de pauta também é sempre bem-vinda.
É incrivel a falta de responsabilidade quanto a destruiçao do contexto historico no entorno da Ponte dos Açores, quanto a diminuiçao do lago e sua cobertura por concretos que nada tem a ver com o saudoso riacho que a circulava, substituido por um ridiculo espelho d agua. diminuindo em muito o lago dos açoriano, tombado em 1979.
Foi aterrado tudo mas deixaram a ponte, tinham que deixar água tbm pra ter sentido a ponte, por isso ainda deixaram um espelho d’agua… o Guaíba ia praticamente de encosto a Borges, no CAFF já era água, como foi dito, Porto Alegre era cortada por riachos, que foram aterrados e a cidade cresceu em cima. Mas mudando de assunto, matéria de 2016 falando sobre fase final… Cá estamos nós em 2019 e estão a recém colocando matinho em volta rsrsrs
Hoje e muito bom ver a ponte preservada , mas sera que não seria bem melhor ter preservado também o riacho navegável por pequenas embarcações,infelizmente por decisões de governantes e políticos que destroem e pouco se importam com a cidade temos um capital que poderia oferecer muito mais que temos hoje , não podemos esquecer também dos saudosos bondes um chame para a cidade, temos varias cidades pelos mundo que conservaram sua história .
E com imensa satisfaçao que escrevo para agradecer a todos aqueles que de uma forma ou de outra,trabalharam com um unico objetivo. Restaurar este cenario tao belo e historico, a ponte de pedra dos açorianos . A Prefeitura de Porto Alegre,bem como as empresas participantes da revitalizaçao e entrega desta obra a capital gaucha,estao de parabens .
Muito bom ver essas coisas acontecendo e nos deixando melhor informados. Certas informações mesmo que equivocadas acabam gerando correções e daí surgir conhecimento. Nem penso na navegabilidade do Dilúvio, alguma sinalização de onde passava o Arroio já ajudaria na história de Porto Alegre. O Colégio Militar é também chamado de Casarão da Várzea, indica que deveria ter rastro do Arroio Dilúvio próximo. O Parque da Redenção já foi lixão de Porto Alegre e o Dilúvio devia passar por aí. Naquele 29 de janeiro do temporal, o vento arrancou um “pinheiro chileno” no Parque e em suas raízes mais profundas havia restos de construções antigas por aí descartadas. Faltam coisas no Parque sim, mas acho que já foi pior. Vamos trabalhar para melhorar…Alguém já parou pará ver as belas pontes sobre o Dilúvio da Av. Ipiranga próximas ao Guaíba? São obras de arte.