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Em tempos de crise migratória em vários lugares do mundo, se expande cada vez mais a discussão sobre estratégias de acolhimento para imigrantes refugiados que buscam segurança e trabalho em outros países. Conforme a agência do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), até o final de 2015, 65,3 milhões de pessoas se deslocaram em razão de guerras e conflitos. Discussões sobre fronteiras também foram suscitadas recentemente com a eleição do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Uma das principais propostas de campanha do republicano foi a construção de um muro ao longo de toda a faixa que separa Estados Unidos e México. Desde 1994, um terço da fronteira já tem um muro separando os territórios. A ideia de Trump é que o novo muro seja mais alto, conte com mais agentes de segurança e se estenda por toda a divisão territorial.
Mas isso faz sentido num mundo tão globalizado? O problema é amplo e envolve aspectos complexos de política internacional? A solução para que relações diplomáticas prosperem não é simples e algumas áreas profissionais podem contribuir para facilitar esse processo. Arquitetura e urbanismo é exemplo.
Conforme Karla Barros Coelho, arquiteta e urbanista especialista em urbanização de áreas de fronteira, as cidades-gêmeas possuem uma característica complementar e isso se reflete na memória da população. Para ela, é importante que o urbanismo abrace essa característica que existe nas relações entre as pessoas nessas regiões. “É muito difícil conseguir apagar uma relação que já existe e que faz parte da memória local. Isso mexe com coisas muito maiores do que simplesmente construir um muro ali”, argumenta Karla.
O urbanismo e o urbanista nas fronteiras entre Brasil, Uruguai e Argentina
Não é preciso ir tão longe para identificar as particularidades de cidades situadas em regiões de fronteira. No caso do Rio Grande do Sul, há mais de 20 municípios fronteiriços, sendo que 12 são cidades-gêmeas de outros municípios uruguaios ou argentinos. É o estado brasileiro com maior número de cidades-gêmeas. Para os arquitetos e urbanistas gaúchos, portanto, o planejamento urbano de regiões de fronteira é uma preocupação ainda mais pertinente. Karla Barros Coelho ressalta a importância de levar em consideração as diferenças nas relações constituídas nessas regiões. “O planejamento urbano e regional pode ser visto levando em consideração os dois países, as cidades-gêmeas e todas as relações de conflitos, barreiras, união e complementaridades que estas apresentam. As cidades-gêmeas de fronteira têm potenciais regionais únicos, mesmo que se encontrem em diferentes territórios nacionais”, afirma.
Para a arquiteta e urbanista Lúcia de Irulegui, que atua em Santana do Livramento e foi uma das primeiras profissionais da região, o trabalho em áreas de fronteira pode enriquecer muito o repertório cultural do arquiteto e urbanista por possibilitar um contato mais próximo e facilitado com outro país. “Isso acrescenta novas tipologias e experiências no conviver com a produção arquitetônica e nas relações com os profissionais do país vizinho. Temos procurado sempre a integração através de cursos e seminários para os quais sempre são convidados brasileiros e uruguaios”, afirma Lúcia.
Para viabilizar a plena atuação do arquiteto e urbanista em áreas de fronteira, no entanto, é necessário que haja legislações com mais abertura a essa troca. “Quando tratamos das políticas públicas específicas para essas regiões, essas são mais lentas e burocráticas. As políticas públicas precisam acompanhar o que acontece nesse espaço urbano: a legislação entre Brasil e Argentina, por exemplo, traz um pouco mais de dificuldade no sentido de não facilitar tanto esse trânsito de pessoas. Já em Santana do Livramento (BR) e Rivera (UY), existem políticas que deixam esse trânsito mais fluente”, aponta a arquiteta e urbanista Karla Barros Coelho.
Lúcia de Irulegui aponta ainda que é essencial simplificar as relações de trabalho na região. “Acho que poderia se ter um Planejamento Urbano melhor se fossem facilitadas as Relações Diplomáticas e as leis entre os dois países que, na maioria das vezes, são entraves para colocar em prática os projetos”, diz a arquiteta e urbanista.
Estudar fronteiras para avançar em políticas públicas
No sentido de buscar resolver as questões apontadas por profissionais de diversas áreas com atuação nas fronteiras e de melhorar o cotidiano da população dessas regiões, uma iniciativa a ser destacada é o programa de trabalho Fronteiras do Brasil: uma avaliação de políticas públicas. O projeto, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em parceria com o Ministério da Integração Nacional (MI), tem o objetivo de discutir questões relacionadas às faixas de fronteira do Brasil, entendendo a realidade destes locais e a relação constituída com a capital federal brasileira. Conforme o coordenador do programa, Bolívar Pêgo Filho, a ideia é mobilizar diversas esferas do poder público para buscar soluções: governos municipais, estaduais, federal e também as relações de nível internacional, para que se estabeleça um contato com os países que fazem fronteira com o Brasil.
Até o momento, foram publicados três livros feitos a partir do programa de trabalho. O primeiro trata de conceitos gerais sobre cidades fronteiriças e traz alguns estudos de caso; o segundo é fruto de uma oficina geral realizada em Brasília; e o terceiro é relativo à oficina do Arco Norte, que aconteceu em novembro de 2016 na cidade de Boa Vista, em Roraima. O Arco Norte compreende a faixa entre os estados do Amapá até o Acre. Durante este ano, serão realizadas as oficinas do Arco Central, em Corumbá, no Mato Grosso do Sul (junho), e do Arco Sul, em Uruguaiana, no Rio Grande do Sul (novembro). Nessas oficinas, são reunidos representantes dos governos federal, estadual e municipal, além de acadêmicos, entidades civis e diplomatas.
As discussões propostas nas atividades realizadas pelo projeto Fronteiras do Brasil partem de uma avaliação de políticas públicas já em vigência – ou em fase de implementação – nos locais, da troca de percepções sobre a situação daquela região, e da busca de soluções através de ações públicas e coletivas. Bolívar Pêgo Filho, que coordena o programa de trabalho, mostra que a questão urbanística é especialmente importante quando se trata de cidades-gêmeas. “Procuramos perceber qual a relação da capital Brasília e da capital do Estado com aquele local. De que forma esses centros urbanos se relacionam? Na experiência que tivemos no Arco Norte, vimos que Boa Vista e Pacaraima são dois centros urbanos com problemas graves de entrada de venezuelanos em busca de recursos que estão faltando no país de origem. Isso tudo acaba atingindo as cidades, o que exige um novo planejamento urbano”, explica Bolívar.
Capacitação de arquitetos e urbanistas na fronteira
O CAU/BR, em 2017, está promovendo o programa “Exportando a Arquitetura Brasileira”, oficina gratuita de capacitação de arquitetos e urbanistas para atuação em regiões de fronteira. A programação inclui palestras sobre regulamentação da profissão em países fronteiriços, legislação nacional e internacional e um passo-a-passo de como preparar escritórios para exportar serviços de arquitetura. A inscrição é gratuita em todas as atividades.
O evento acontecerá em várias cidades do Brasil com o objetivo de ampliar o mercado de trabalho dos profissionais brasileiros, principalmente em países vizinhos como Argentina, Paraguai, Uruguai e Guiana Francesa. A iniciativa inédita é fruto da parceria entre o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), a Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (AsBEA), Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), o Ministério das Relações Exteriores (MRE) e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).
2 respostas
Ótima matéria!
Parabéns por trazer este tema para debate!