Getting your Trinity Audio player ready...
|
Se você pedir a uma criança que ela desenhe a escola, esse espaço nunca será feio. Então, por que não consultá-las sobre como deve ser o ambiente onde irão brincar, estudar e passar a maior parte do dia? Em Passo Fundo, município localizado na região norte do Rio Grande do Sul, o que parece sonho é realidade. Das 70 escolas municipais, entre ensino infantil e fundamental, pelo menos 15 já participaram no projeto “Minha Escola de Cara Nova”.
Cristiano Triches é acadêmico do curso de Arquitetura e Urbanismo e estagiário da Secretaria de Educação (Smed) do município desde 2016. Com o apoio do Secretário Edemilson Brandão e do mestre de obras Rui Pereira, Cristiano contribui para o desenvolvimento de projetos de mobiliários e intervenções nas escolas. Tudo isso com o respaldo dos maiores interessados: as crianças. E como imaginação não tem limites, Cristiano já tirou de tudo do papel – mesas em formato de paleta de cores, ameba, foguete e piano e módulos para uso diverso, com material reciclado ou reutilizado de obras da própria prefeitura.
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RS) esteve na cidade e visitou três escolas públicas do município. Confira o depoimento de Cristiano Triches e a história de algumas intervenções realizadas nos ambientes:
Cores e conceitos fortes
O que não falta nas escolas de Passo Fundo é cor. É um cuidado do Secretário de Educação, que estimula o uso da cromoterapia na escolha da paleta de cores dos ambientes. “As cores educam”, conta. Edemilson Brandão, também chamado de professor Edemilson, é natural de Belém (PA) e possui doutorado em Tecnologia Educacional pela Pontifícia Universidade Salesiana de Roma. Morou na Itália, França, Rússia e Canadá. Ao longo de sua trajetória, conheceu inúmeros modelos educacionais e transformou Passo Fundo em referência na educação e na arquitetura educacional.
Professor Edemilson acredita no potencial do conceito. “As escolas têm que seguir o modelo educacional que as pessoas acreditam” argumenta. Assim, existem escolas com as mais diversas linhas educacionais no mesmo município. “Nós buscamos romper com a padronização e fazer de cada sala de aula uma experiência única, de acordo com a necessidade das crianças de cada bairro. São conceitos que refletem diretamente na arquitetura da escola. Se você tem um conceito forte, consegue apoio da iniciativa pública e privada para financiar suas ideias”.
Escola Benoni Rosado
Um incêndio criminoso destruiu boa parte da escola Benoni Rosado, bairro São José, em 2015. A história poderia ser triste, mas virou motivo de orgulho para a comunidade. Explicamos: a reforma virou ampliação.
“Fizemos da nova biblioteca uma continuidade da última aula que os alunos estavam tendo antes do incêndio. O painel do Romero Britto, que estava sendo estudado na época, foi restaurado e a sala ganhou muitas cores. A obra estava nos fundos da escola e agora é parte da biblioteca”, comenta Brandão. No espaço, é possível encontrar a mesa em forma de paleta de cores e vários módulos desenvolvidos por Cristiano Triches.
Escola Pe. Elydo Alcides Guareschi
A escola Pe. Elydo Alcides Guareschi foi inspirada em lugares como Caminito (Buenos Aires, Argentina), Rocinha (Rio de Janeiro/RJ), Pelourinho (Salvador/BA) e Burano (Lagoa de Veneza, Itália) e será centro cultural e ponto de encontro no bairro Victor Issler. Entre as ações de Cristiano no local, estão as composições de bisnagas de diferentes cores, que dão o tom da nova escola de educação infantil de Passo Fundo.
Escola André Zaffari
Desejo de criança que virou realidade. A escola André Zaffari, localizada no bairro Vila Luiza, o mais antigo da cidade, é a primeira autossustentável do município. Ela foi projetada pela arquiteta e urbanista Karine Knob Battisti, também Secretária de Inovação e Captação de Recursos, a partir do diálogo com as crianças da comunidade.
Os pedidos foram diversos: portas grandes, mesa em formato de espaguete no refeitório, escorregador, escalada, ginástica para as mães, acabamentos em ferro para uso de brinquedos magnéticos, pisos e paredes coloridas. Sustentabilidade também foi um item solicitado: o telhado é coberto por painéis solares, há sistema para reuso da água em todos os ambientes da escola (com exceção da cozinha), iluminação led, vidros e paredes duplas para isolamento acústico, brises para controle de luminosidade, piso hospitalar para limpeza e assepsia.
Passo Fundo: exemplo a ser seguido
O arquiteto e urbanista estadunidense Frank Locker, especialista em arquitetura educacional e ambientes para aprendizagem, afirma que estamos nos limitando a replicar o modelo espacial das prisões, sem interesse algum em estimular uma formação integral, flexível e versátil para a educação*. Professor Edemilson sabe disso. “Sala não pode ser cela”, afirma. “As crianças precisam de espaço, de salas de atividades, de auditório pensados para elas, interagir com os ambientes e o pátio da escola em um dia de sol”.
E complementa: “Sabe por que o Brasil ainda sofre com o problema da alfabetização? Porque alfabetização não é esforço intelectual, é boa visão. Nosso primeiro contato com o mundo acontece através da visão. Por isso as cores nas escolas e os exames oftalmológicos desde cedo. Antes de ler as letras, é preciso ler o mundo, ler a cidade”. Não à toa, Brandão tem planos para a próxima Biblioteca Pública do município: ela não terá livros. Será um mirante no ponto mais alto de Passo Fundo.
*Fonte: ArchDaily
Galeria de fotos
4 respostas
Em meio a indizíveis situações de aridez nas escolas públicas, é um modesto alento ler esta matéria.O que acabei de enxergar e ver é vida, progresso, civilização, aposta, proposta, sonhos. Parabéns, Passo Fundo!
Parabéns Cristiano, parabén Edemilson, precisamos muito desta sensibilidade nos órgãos públicos.
Lindo trabalho!! Emociona.
Escolas projetadas junto com os alunos, uma realidade.
Parabéns a esse trabalho diferenciado! Ao pensar nos desejos dos alunos, pensamos em como gostarão de ir a escolas coloridas como essas… Que outros municípios sigam o exemplo ….