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O termo caminhabilidade tem origem na palavra em inglês “walkability”, e pode ser entendida como a nossa capacidade corporal de movimento ou mobilidade ativa. O bairro ou cidade caminhável, por sua vez, é “o ambiente urbano e denso, com edificações compactas abrigando atividades comerciais nos térreos, calçadas amplas e bem movimentadas, boa iluminação, ruas protegidas e tráfego monitorado”. Esse foi um dos conceitos apresentados pelo arquiteto e urbanista Vinícius M. Netto, professor associado da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Vinicius esteve em Porto Alegre para a mais recente edição do Quintas no Solar, promovido pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB RS). Acompanhado pelo arquiteto e urbanista e professor adjunto do Departamento de Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Júlio Celso Vargas, ele apresentou a pesquisa “Arquitetura e Caminhabilidade: pequenos choques de realidade”.
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RS) esteve presente e conversou brevemente com os dois arquitetos, confira!
Qual o objetivo da pesquisa?
O foco dela é o que chamamos de “efeitos sociais da arquitetura”, ou seja, o impacto dos edifícios na vida do espaço público. A ideia de que o edifício e a cidade não têm só impacto visual, eles interferem na maneira como vivemos, interagirmos, como circulamos pela cidade, conhecemos pessoas e temos experiências urbanas e sociais. Até, inclusive, questões mais delicadas, como segurança e saúde pública. A pesquisa tenta entender essa relação, ou seja, o quanto a arquitetura é capaz de influenciar nessa vida do espaço público. A gente usa alguns elementos bem tangíveis para avaliar isso, como, por exemplo, a presença de pedestres na rua: nós contamos a quantidade e confrontamos essa distribuição do pedestre no espaço público, mapeando. Fizemos isso em várias áreas de diferentes cidades e a pesquisa confronta essas distribuições nos lugares onde as pessoas estão, com as características da arquitetura em volta. Assim, conseguimos identificar as coincidências entre a intensidade da presença dos pedestres e essas características. E outros fatores também que a gente chama de “vida econômica dos bairros”, por exemplo, a facilidade de encontrar serviços e comércio próximos, o estímulo que e isso gera às pessoas a usarem a rua, nós confrontamos as características arquitetônicas com essa microeconomia do bairro.
Imagine a Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, ou o Bela Vista, em Porto Alegre. São bairros que têm características de uma arquitetura isolada, cercada, afastada da rua e do vizinho, é difícil encontrar térreos com comércio. Não por acaso, ao observar esse uso da rua, vemos aparentemente uma diluição cada vez maior, e fomos a campo verificar mesmo se é possível encontrar uma relação causal entre essa arquitetura – que vem se consolidando desde os anos 1990 – e essa diluição no uso do espaço público. Imagine agora bairros como Copacabana e o Bom Fim, que têm uma arquitetura mais compacta e tradicional, é mais fácil observar uma arquitetura mais amigável de térreos com serviço, com comércio. Nós encontramos uma alta correlação, por exemplo, entre a presença de comércio e serviço com o pedestre, é um interesse mútuo. A pesquisa trata sobre isso e buscou resultados em relação a isso.
De que maneira a pesquisa está sendo usada para justificar algumas ações, decisões e posicionamentos do mercado imobiliário?
Essa pesquisa tem reverberado de tempos em tempos em diferentes mídias. A gente acompanha a maneira como o mercado tem se posicionado por meio dessas divulgações, inclusive com certa preocupação, porque os resultados de uma pesquisa podem ser interpretados e apropriados de maneiras que escapam ao contorno que o estudo tem e, às vezes, ao que o achado de fato tem.
Por exemplo, quando a gente diz que uma arquitetura compacta é amigável ao pedestre, não estamos advogando necessariamente pelo fim de regras urbanísticas que prevejam isso ou aquilo. A maneira como eu tenho visto é que tem havido uma interpretação da pesquisa como se ela pudesse justificar o fim da necessidade de uma certa regulação. Então a relação que apareceu é de que a ideia de eliminar afastamentos frontais – porque a pesquisa mostra que eles têm uma correlação negativa à presença de pedestres na rua. Mas por exemplo, nossos resultados sugerem que o afastamento lateral é o ponto crucial aqui, é ele que gera uma forma urbana mais rarefeita. Imagine os edifícios ainda mais afastados na Barra da Tijuca; o afastamento lateral coincide com isso.
Qual a relação entre ausência/isenção de recuos com habitabilidade e conforto dos apartamentos?
A pesquisa tem um foco bem específico, que é a relação entre arquitetura e o espaço público. Ela não foca em habitabilidade, isso demanda outros indicadores que não usamos. Essa relação entre a arquitetura tradicional, que vem desde o século 19 e antes, e que retornou no século 21 com essas cidades hoje, com essa ideia de associar o que é sustentável com a arquitetura mais compacta, que é algo que vem sendo retomado desde os anos 1990, ou seja, revisando um modernismo dos anos 40, 50, 60, que nos deu Brasília, a Barra da Tijuca, nos deu planos diretores por todo o país. Nessas décadas, havia um preconceito em relação a essa morfologia histórica, vinda de um preconceito do século 19 que é essa ideia de que a cidade, por essa densidade toda, dispararia epidemias e coisas assim. Na verdade, o que não havia era a ciência médica, não havia uma ciência biológica capaz de detectar que o problema na verdade eram microorganismos invisíveis a olho nu. Então as pessoas culparam aquilo que elas viam, que eram as cidades. Na verdade, o que as cidades não tinham era infraestrutura: saneamento, esgotamento, água potável. No final do século 19 é que se descobre essa microbiologia, mas aí já era tarde, esse preconceito estava instalado e já tinha nos levado a utopias urbanas, que depois alimentaram o modernismo de Le Corbusier, do Lucio Costa no Brasil, enfim. A arquitetura compacta que hoje está associada a coisas como a caminhabilidade, por exemplo, nunca foi o problema em termos de habitabilidade, vide muitos centros históricos de cidades brasileira, além de Barcelona, Paris, Buenos Aires.
Como os resultados das pesquisas podem surtir efeito prático nos planos diretores e no trabalho dos arquitetos?
Essa é a pergunta de um milhão de dólares. A gente espera que cause impacto, pois a pesquisa tem essa preocupação de impactar no mundo concreto aí fora. E é isso que adoraríamos ver: que esses achados disparassem uma discussão sobre regras urbanísticas. A pesquisa tem uma grande confiabilidade estatística, foi feita em três capitais brasileiras, em centenas de ruas que foram sorteadas e não escolhidas, eliminando o risco de um ruído. Então ficamos muito feliz de ver a pesquisa repercutindo, mas esperamos que isso seja de forma qualificada, isto é, que isso não seja apropriado para atender um interesse e não outro, mas sim, de estimular um debate urbanístico qualificado.