Getting your Trinity Audio player ready...
|
A prática da reciclagem, conhecida no mercado como retrofit, surgiu e foi desenvolvida na Europa, onde existe uma grande quantidade de edifícios históricos. Essa nova perspectiva, que respeita as pré-existências e ao mesmo tempo se adapta as exigências e os padrões atuais, surge por consequência de uma legislação bastante rígida em relação à preservação do patrimônio, e de algum tempo para cá, vem conquistando cada vez mais espaço.
Conversamos com três escritórios que já desenvolveram projetos nesse sentido no Rio Grande do Sul: ILLA, de Porto Alegre, Lineastudio, de Santa Maria, e FeelStudio, de Pelotas. Saiba mais sobre o tema e conheça alguns exemplos na reportagem do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RS).
Arquitetura de contrastes
Alexandre Rodrigues, arquiteto e urbanista do FeelStudio, de Pelotas, defende que a cidade é um organismo vivo e a renovação de prédios construídos, utilizando os mais diferentes códigos estéticos e arquitetônicos, descortina um potente cenário para a criatividade no Brasil. Assim, “áreas com potencial construtivo esgotado, ganham possibilidades de conservação e aumento da vida útil compondo um resgate do potencial local e uma requalificação para as cidades”, constata.
“As características desse processo de transformação, alinhadas às premissas de propósito, identidade e sustentabilidade – não só pela reciclagem e reutilização de materiais, mas também pela possibilidade de inserção de novas tecnologias – estão alinhadas com projetos como o Bistrô Pelotense, o Café 35 e o projeto da nova sede do CCAA em Pelotas”, contou o arquiteto.
A nova sede da escola de idiomas é uma edificação construída em 1908, conhecida como a casa da Família Zambrano. “O objetivo do projeto é preservar as características externas e internas do casarão. Serão removidas apenas reformas malfeitas que, através dos anos, ocultam boa parte da arquitetura original da edificação. Para atender o programa de necessidades, um novo prédio será construído, utilizando materiais e formas da arquitetura contemporânea que irão valorizar o antigo através do contraste com o novo”, revelou.
Identidade, imaginário e história
Em Santa Maria, a reciclagem também aparece mais como uma necessidade do que como uma tendência na arquitetura contemporânea. Luara Mayer, arquiteta e urbanista do Lineastudio, conta que atualizações arquitetônicas são necessárias para manter a ocupação através da garantia de conforto e segurança aos usuários.
“Atualizar um imóvel de maneira a estender sua vida útil é uma solução arquitetônica que ajuda a preservar a história local e as relações de identificação ao mesmo tempo que permite as mudanças das dinâmicas arquitetônicas, espaciais e culturais que se desenvolvem naturalmente na sociedade com o passar dos anos”, disse.
O Muzeo Pub, casa noturna de Santa Maria, ocupou uma edificação residencial da década de 30, localizada no centro da cidade, entre 2009 a 2016. “O projeto arquitetônico buscou aliar soluções funcionais e escolhas estéticas que fossem coerentes com o caráter histórico que a edificação sugeria. Externamente, a intervenção dos arquitetos foi sutil, com o intuito de valorizar o existente através do projeto luminotécnico. Internamente, a remodelação foi mais profunda”, principalmente para atender as ampliações necessárias, como abrigar conjunto de sanitários, hall de acesso e depósito. No entanto, em todo o espaço predominam elementos originais da casa, contou a arquiteta.
Quando o antigo conversa com a novidade
A ILLA, em Porto Alegre, traz dois exemplos de intervenções em edificações pré-existentes. Uma delas é o Pátio Ivo Rizzo, no bairro Moinhos de Vento, antiga residência convertida em unidades de uso comercial e área externa transformada em praça de uso público. Já a antiga residência na Rua Vasco da Gama, 1020, passou por diversos processos de adequação, atendendo a diferentes necessidades. Mariana Hugo, arquiteta e urbanista da ILLA, conta que houveram três fases nesse processo:
1) O projeto inicial de reforma pela Uma Arquitetura, que preservava a antiga casa porta-janela em terreno de 3,6m de largura, optando pela de uma edificação quase industrial nos fundos: pé direito amplo e tomadas de luz e ventilação através do telhado shed;
2) Projeto não foi totalmente executado e se iniciou uma segunda fase, onde a ILLA foi contratada por um novo proprietário para a realização de uma nova reforma com o objetivo de tornar o imóvel, além de “habitável”, aconchegante e apropriado para abrigar o estilo de vida de muitos amigos do morador;
3) Surgimento de novas necessidades para o local com a arquitetura como chave para a readequação ao novo uso da edificação, que se transformou em um bar.
As instalações (elétricas, luminotécnicas e hidrossanitárias) foram incorporadas e materiais encontrados pela casa utilizados em elementos do pátio. As telhas metálicas antigas, danificadas pela ação tempo, foram substituídas por novas telhas sanduíche, que se acoplaram ao desenho e às grandes inclinações da estrutura de suporte original. No terraço, a aplicação de cobertura verde trouxe vida e uso ao espaço. O piso de parquet foi aplicado somente em um setor, deixando o espaço mais aconchegante e delicadamente diferenciado dos demais ambientes, enquanto que, no pátio, o piso foi executado com tijolos de demolição e brita, e a escada de acesso executada com tábuas de madeiras que sobraram da obra.
A reciclagem, como destaca Cláudia Titton, também arquiteta e urbanista da ILLA, é mais do que um processo de renovação. Ele dá novo sentido para ao antigo, com intervenções em edificações pré-existentes para atender novas necessidades. “Mergulhados na “cultura de valorização do novo” promovemos um modelo urbano nada sustentável, e é por esse motivo que achamos fundamental a reversão desse quadro, voltando a “crescer para dentro” da metrópole – e não mais expandi-la. Nesse processo, a transformação e a recuperação dos ambientes, tanto na escala do território como na do edifício, colocam-se como situações altamente relevantes”, defende.
“Acreditamos que os projetos de revitalização são de imensa importância porque promovem o Desenvolvimento Sustentado: sustentabilidade econômica, ambiental e social”, destaca a arquiteta, que relembra: “A história mostra que mesmo muitas das mais degradadas áreas urbanas podem ser salvas, seus melhores edifícios podem ser modernizados para atender às necessidades atuais, e isso pode ser realizado através da criação de um diálogo entre o antigo e a novidade.”
2 respostas
Muito boa a matéria,e bom vermos o trabalho dos colegas sendo valorizado, pena que o projeto Prédio do Muzeo Pub em Santa Maria não tenha sido respeitado e atualmente esta sofrendo alterações radicais.
Creio que a sobre-construção deve ser vista como uma das soluções para o problema da restauração de prédios antigos. Já foi proposta em cidades como Paris e Havana.